NÃO HÁ GRAÇA NA SOLIDÃO


Miriane Willers


Cada pessoa é só, todo o tempo. A verdade da nossa vida é exatamente esta e nada mais: somos sós. Pelo menos esta é a versão do escritor americano Paul Auster. Pode até ser. O homem é só nas suas decisões, nas suas atitudes, no seu entusiasmo. Na própria maneira de conceber o mundo e as pessoas.
Mas a gente também é contracorrente no oceano da vida, indo em busca do complemento, indo ao encontro do outro. Com todo vigor e ânsia de um canteiro de crisântemos, florescendo ao sol de maio. A gente é parte e tem necessidade de ser o todo.
Não há graça na solidão. Não há graça no sábado à noite resumido a um monólogo com a taça de vinho. Não há graça na vitória, sem o abraço de comemoração. Não há graça na dança, sem a presença do par. Não há graça na poesia de Quintana, se não há com quem dividi-la. A vida só tem graça se for partilhada, momento a momento. E se houver o encontro com o outro.
Verdade que há aqueles dias em que a solidão é uma mochila que a gente gostaria de colocar nas costas. E ganhar a rua, o mundo, a lua, Marte, qualquer lugar. Aqueles dias que acordam de pé esquerdo e a gente mais atravessada ainda. Não há acerto com o espelho. Não há acerto com o coração, com as dúvidas, com os fantasmas, com as pressões, com o ter que ser, com o ter que fazer e outros verbos pesados para a fragilidade do instante. E surge a vontade de sumir na esquina. Escalar uma montanha. Ouvir os passarinhos na mata - mas não as pessoas ao lado. Tomar banho de cachoeira. Dormir ao relento. Despertar no abismo do peito uma madrugada de ternura, uma aurora de sonhos e sentimentos novos que tenham asas para voar até o mar.
Ir para perto do mar...ficar olhando o ir e vir das ondas. Alegria e tristeza. Sol e nuvens. Amor e dor. Primavera e inverno. Solidão e multidão. E nessas horas a solidão pode ser um bálsamo para aliviar a cabeça e o coração.
E, num repente, a gente quer companhia. E vem a ansiedade de voltar-se para o outro. Abraçar aquele amigo meio esquecido, aquela outra magoada. E crer que a amizade de cristal não foi trincada. Talvez lhe falte brilho. E resolve o cuidado especial, o carinho com jeito e a conversa mais de perto. E tudo voltará a luzir...
Mas é no amor que acontece o encontro sublime com o outro. E a gente quase deixa de ser só. É sempre na minha solidão, a manhã que abre os olhos num bocejo e por cinco minutos te namoro. E espero pelo " eu te adoro"... Quando acontece, desfazem-se as sombras da noite, o sol banha o quarto e a entrega vai acontecendo com a pressa do dia. E a gente sai para a rua, com as pernas bambas e o coração na mão.
A gente pode ser só. Mas não aguenta viver só. A verdade da nossa vida é exatamente esta e nada mais: a gente não vive só!



1º lugar no Concurso do IESA, categoria crônica, 2001.

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Miriane Willers

E-mail: mirianew@yahoo.com.br

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