VISITA (IN)ESPERADA


Miriane Willers

Chego em casa quase à meia-noite, cansada, chateada, carente de empatia e duvidando do correto, do combinado e do justo. Com esse ânimo, espero por ele, que chega em seguida, precisamente, aos 00h06 minutos. Sem bater, vai se aproximando. Vem com terno de linho e guarda-chuva. Na bagagem, traz a saudade da maresia, dos dias despreocupados à beira-mar, dos sorvetes deliciosos, da agitação, das atividades ao ar livre. Traz também novidades repetidas.
O tio solteirão, como apelidou Quintana, me avisa que, a partir de agora, os dias ficarão mais frescos e mais curtos. Nem tão quentes, nem tão frios. Nem alegres, nem tristes. Durante sua estadia de três meses, me diz que haverá dias em que poderemos andar descalços, ao sol; outros mais sisudos, nublados, cobertos de nevoeiro. Haverá noites, que vão pedir aconchego, um chá; noutras, vamos abrir janelas, sair à rua, beber um chopp no barzinho.
Ele me conta, que a medicina chinesa considera cinco elementos: terra, fogo, água, madeira e metal. E é a energia do metal que se estende sobre nós, a partir de agora, como roupa secando ao vento. Explica que ingressamos numa fase de introspecção, chamando para um olhar demorado para dentro da alma e do coração. É necessário viver esse período de transição, com serenidade e brandura. Precisamos confiar nas mudanças, aceitar com calma os desafios, acolher com delicadeza as transformações que ocorrem nas nossas vidas, no trabalho, nos relacionamentos.
É momento de voltarmo-nos para o interior, refletir, perdoar, compreender. Cuidar de nós mesmos, mesmo que esse cuidado implique não atender as exigências dos outros. E está tudo bem! É possível amar as pessoas, mesmo tendo que dizer não; não dou conta; não posso. É tempo de armazenar energias, organizar-se, respirar fundo, acatar os silêncios. Tudo é transição.
Como as folhas se desprendem é necessário desapegar-se do que magoa, irrita, do que não deu certo – me lembra ele, com calma e paciência. Libertar-se nem sempre é fácil; é doído. Mas, necessário.
Além disso, concordo com ele que é tempo de colheita. No campo e no cotidiano. Que possamos colher laranjas e tangerinas doces e coloridas de sol; ramalhetes de crisântemos e beleza; feixes de ternura; cestas de abraços, afetos e sorrisos; frascos de gratidão; tarros de esperança. Numa verdadeira festa animada, com amigos e pessoas que nos fazem bem, em qualquer estação.
À medida que se achega, vai cantarolando a canção da Ana Carolina: “ Nas ruas de outono/ os meus passos vão ficar/ e todo abandono que eu sentia vai passar/ As folhas pelo chão/ que um dia o vento vai levar/Meus olhos só verão que tudo poderá mudar”. Me deixo envolver. Quero percorrer essas ruas...
Discordo do Quintana, ele não é o tio solteirão. Carrancudo, melancólico e instável. Ele é o amigo italiano: Autunno. Elegante, charmoso, que convida à tranquilidade, à boa conversa, à leituras mais serenas de nós mesmos e do mundo. Com a luminosidade amarelada, nos leva a encarar a vida com leveza.
Com sensação de sossego, vou dormir. Logo será outro dia. O primeiro dia de Outono.

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Miriane Willers

E-mail: mirianew@yahoo.com.br

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